Os riscos do Treinamento Físico Militar

Artigo de André Soares - 22/05/2013

Publicado no Jornal do Brasil - leia

 

Cadete Anderson Barbosa da Paixão e Silva   Cadete Renan Mendonça Borges Gama   Cadete Márcio Lapoente da Silveira
   
   

 

Estudante Fellipy Caetano Silva

   
         
 
 
 

As mortes dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) Márcio Lapoente da Silveira, em 09/10/1990, por exaustão física; Renan Mendonça Borges Gama, em 06/10/2011, por rabdomiólise, ambos realizando treinamento físico em campanha; Anderson Barbosa da Paixão e Silva, em 20/05/2013, por parada cardiorrespiratória, realizando prova de corrida de 4000 metros; e do estudante Fellipy Caetano Silva, em 22/01/2014, realizando a prova de corrida do Teste de Aptidão Física (TAF), para ingresso no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, do Comando Militar do Nordeste (CPOR/CMNE); ao contrário do que se imagina, não foram fatalidades. Caso houvesse investigações e estatísticas fidedignas a esse respeito no Brasil, constatar-se-ia que há décadas ocorrem reincidentemente óbitos dessa natureza nas instituições militares nacionais, os quais igualmente também não foram fatalidades. 

 

Nesse contexto é fundamental assinalar que o Exército Brasileiro (EB) é pioneiro no país na pesquisa da atividade física, possuindo internacionalmente uma das mais avançadas doutrinas de Treinamento Físico Militar (TFM). Destaca-se também a excelência do trabalho técnico-científico realizado pelo Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEX), órgão formulador dessa doutrina. Contudo, a recorrência desses óbitos no país pela prática do TFM, o qual é realizado especialmente no EB sob condições ideais, vitimando militares bem condicionados fisicamente e em perfeitas condições de saúde, revela-se no mínimo um paradoxo preocupante. A sua elucidação desvela-se pela constatação de que as mortes no TFM ocorrem durante, ou logo após, a realização de corrida. Portanto, a alegação de fatalidade para essas mortes é certamente imprópria, não constituindo resposta científica, muito menos veraz.

 

A verdadeira explicação está na reação fisiológica fulminante que certas atividades físicas intensas podem provocar no organismo. No caso do EB, além de atividades físicas específicas, todos os militares são obrigados ao Teste de Avaliação Física (TAF), que é realizado três vezes ao ano, constituído de várias provas, sendo a corrida (percurso máximo percorrido em 12 minutos) uma das que são obrigatórias para todos os militares. Porém, de todas as provas do TAF, a corrida é a única que mata. Destaca-se que o resultado do TAF influencia significativamente o sucesso da carreira militar no EB, razão pela qual os militares buscam obstinadamente alcançar a sua maior menção, cujos índices são rigorosamente seletivos para a prova de corrida, comparáveis à performance de corredores de elite.

 

Ressalta-se que esse tipo de corrida aeróbica, que é realizada em níveis de volume e especialmente de intensidade elevados, é fisiologicamente classificado como “teste de esforço máximo” que, como o próprio nome sugere, conduz o sistema cardiopulmonar, ou cardiorrespiratório, ao seu limite máximo (VO2máx – velocidade de consumo máximo de oxigênio). Em termos de riscos à saúde, significa que esses testes podem levar o sistema cardiopulmonar ao colapso. Ou seja, podem matar. E, de fato, matam. Não apenas pessoas sedentárias, mas também as bem condicionadas a exemplo dos cadetes da AMAN, inclusive atletas profissionais; por parada cardiorrespiratória, infarto do miocárdio, rabdomiólise (falência dos órgãos pela destruição da musculatura esquelética, em decorrência de esforço físico extenuante), dentre outras patologias. A despeito dessa probabilidade ser menor quanto melhor condicionado for o indivíduo; o fato inconteste é que o risco de morte potencialmente sempre existe para todas as pessoas.

 

Portanto, essa questão também suscita sérias implicações de natureza ética e principalmente jurídica, referentes às responsabilidades institucionais cabíveis das entidades que impõem em seus integrantes e aos eventuais candidatos em processo seletivo a obrigatoriedade da realização de "testes de esforço máximo". Todavia, a pergunta crucial é: a aplicação universal e indiscriminada de testes aeróbicos de esforço máximo é imprescindível e o melhor método de avaliação do condicionamento físico militar? A resposta peremptória é não. Porque o emprego das forças armadas, notadamente da Força Terrestre, contrariamente, caracteriza-se por exigir dos militares do Exérico Brasileiro principalmente desempenho em nível submáximo para as competências e qualidades físicas necessárias para o emprego em combate. Somente em situações excepcionais e emprego de tropas especiais requerem condicionamento físico aeróbico em nível de esforço máximo.

 

Por importante, vale registrar que a ciência da fisiologia possui há tempos protocolos devidamente validados de testes de esforço submáximo que podem subsidiar satisfatoriamente a e sem riscos à saúde a avaliação do condicionamento físico militar; os quais, diferentemente dos critérios atualmente aplicados, não matam. Essa problemática assume contornos alarmantes na atual conjuntura pela avassaladora epidemia mundial de obesidade que há muito contamina indisciminadamente as organizações militares do país. Porque todas as instituições militares operacionais caracterizam-se fundamentalmente pela excelência do condicionamento físico de seus integrantes, nos mais elevados níveis, nas quais o TFM deve ser prioridade absoluta para a consecução desse mister. Contudo, ele deve ser realizado cientificamente e responsavelmente primordialmente para a manutenção preventiva da saúde das pessoas. Nunca em seu prejuízo. Porque os riscos do TFM estão na imperícia, imprudência, negligência, desídia, ou inépcia dos comandantes e das autoridades institucionais responsáveis.

 
 
 
 
 

Manifesto minha grata satisfação com que minha modesta publicação tenha contribuído para ensejar a louvável providência do EB, publicada no artigo “RABDOMIÓLISE – MEDIDAS DE SEGURANÇA – AMAN”, na revista Verde Oliva.

Todavia, tais medidas de segurança divulgadas pelo EB devem ser implementadas em toda a Força Terrestre, e não apenas na AMAN, notadamente nas Organizações Militares (OM) operacionais. Porquanto os cadetes da AMAN são militares em formação, enquanto os militares das OM operacionais são os verdadeiros profissionais combatentes que realmente enfrentarão o "Bom Combate", em defesa do Brasil.


 

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