O Brasil "politicamente correto"

Artigo de André Soares - 05/06/2018

 

 

O inigualável filósofo Friedrich Nietzsche sabiamente desvelou à humanidade, dentre outras verdades, que “a verdade é feia”. E, parafraseando-o, afirmo também que “quanto mais verdadeira for uma verdade, mais dolorosamente insuportável será aceitá-la”. Destarte, o ser humano desenvolveu variados mecanismos psicológicos para enganar-se a si próprio, conhecidos como “mecanismos de defesa do ego”, “mecanismos de culpas e desculpas” e “racionalização”, dentre outros, para designar o tradicional comportamento humano de fuga da realidade, ignorando toda verdade desagradável e dolorosa, especialmente quando ela retrata os erros e defeitos do próprio indivíduo. Nesse contexto, quem melhor denominou este fenômeno foi o espetacular Eduardo Gianetti da Fonseca, em sua obra primorosa intitulada “Autoengano”, explicando com singular maestria a elevada capacidade do ser humano em enganar, não apenas as pessoas, mas também e principalmente de enganar-se a si próprio. Contudo, o autoengano é um fenômeno psicossocial que acomete também os grupos sociais e as sociedades, manifestando-se tradicionalmente por meio de um comportamento deletério que, no Brasil, revela-se na epidemia do “politicamente correto”. 

Embora o autoengano seja inexorável e muitas vezes necessário, por outro lado é também o principal aspecto psicossocial responsável pelo fracasso e insucesso na vida, tanto das pessoas, como das nações, a exemplo do caso brasileiro. Portanto, o retumbante colapso nacional generalizado da atual conjuntura é devido exclusivamente aos enganos e principalmente aos autoenganos da sociedade brasileira; que desesperadamente se afoga no tsunami da hipocrisia do seu comportamento “politicamente correto”, que somente faz agravar o colapso da conjuntura nacional, além de não mais enganar a quem quer que seja. 

Mas o que é o comportamento “politicamente correto”? É a conduta pessoal de se manifestar e agir demagogicamente e exclusivamente conforme as conveniências político-sociais, em detrimento da verdade dos fatos.  Como referido anteriormente, tal comportamento pessoal é por vezes necessário, notadamente quando da liturgia de eventos comemorativos e circunstâncias confraternizatórias em geral, em prol das regras sociais de educação, etiqueta e boa convivência, visando à afabilidade das relações interpessoais; ou, ao contrário, quando das situações de dor e comoção, objetivando acalentar o espírito e amenizar o sofrimento dos vitimados por algum infortúnio. 

Todavia, excluindo-se a excepcionalidade dessas duas louváveis situações, por outro lado o comportamento “politicamente correto” é deletério e prejudicial, caracterizando-se pela falsidade, hipocrisia, indignidade, falta de caráter, e até mesmo ilicitude do seu patrocinador. E é justamente o lado depreciativo e perverso dessa conduta que grassa no Brasil “politicamente correto”. 

Assim, no epicentro do caos nacional da atualidade, quando urge a imperiosa necessidade da mobilização da sociedade objetivando a imediata implementação de soluções definitivas para os gravíssimos problemas estruturais do país, o que se vê? Vê-se o recrudescimento da epidemia do comportamento “politicamente correto” dos brasileiros. E isto está escancarado, por exemplo, na proliferação pelo país das oportunistas campanhas “politicamente corretas” de poderosos veículos da grande mídia, conclamando os cidadãos a celebrizar-se sob seus holofotes, em míseros segundos de qualquer discurso para a salvação nacional, desde que seja “politicamente correto”. 

Dessa forma, assistimos diuturnamente a um festival midiático de campanhas televisivas e radiofônicas patrioticamente oportunistas, ostentando slogans e hashtags “politicamente corretos”, explorando a exacerbação do ego e a incontida vaidade dos brasileiros por evidenciar-se na mídia. Repercute-se assim em toda a mídia nacional e nas redes sociais uma avalanche interminável de vídeos “politicamente corretos”, com declarações “politicamente corretas”, feitas por milhares de brasileiros “politicamente corretos”. 

Quanta pusilanimidade e hipocrisia! 

De toda forma, é de bom alvitre que o Brasil “politicamente correto” não se esqueça de que é impossível erigir uma nação e muito menos salvá-la do colapso apenas com o alardear midiático das melhores intenções de seus cidadãos. Isso porque, como é de todo notório, “... de bem intencionados o inferno está cheio”.


 

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