A arte de votar II

Artigo de André Soares - 05/10/2016

 

 

Há algumas décadas, o brasileiro Edson Arantes do Nascimento, o inigualável “Rei Pelé”, foi injustamente massacrado e patrulhado impiedosamente pela classe política no Brasil, por ter tido a coragem de dizer uma verdade inconveniente sobre a nossa despolitizada sociedade, quando reverberou que: “...o brasileiro não sabe votar”. Hoje, quando o Brasil se afunda no atoleiro de ingentes e generalizadas crises de corrupção e roubalheira, ensejadas precipuamente pela ação indiscriminadamente criminosa dos partidos políticos e da mais alta cúpula de nossos governantes, os quais foram legitimamente alçados ao poder pelo sufrágio universal do voto popular, a nação brasileira é obrigada a curvar-se ante àquelas célebres palavras do “Rei Pelé”, que infelizmente são ainda verdadeiras na atualidade. 

 

Nesse contexto, o cidadão brasileiro deve responder às perguntas: Como os eleitores devem votar? No partido, ou no candidato? No candidato que defende os seus interesses pessoais ou corporativos, ou naquele que defende os interesses nacionais? E se não houver partido e/ou candidato que melhor representem esses valores sob a ótica dos eleitores? É indiscutível que a atual conjuntura é a prova cabal de que a sociedade vem persistindo sistematicamente nas respostas erradas, especialmente na hora de votar. Todavia, as respostas corretas são simples e fáceis. Porque votar civicamente é escolher concomitantemente o partido e o candidato que melhor representem os interesses nacionais, sob a égide dos ditames constitucionais e do estado democrático de direito. E se eventualmente inexistir partido e/ou candidato que melhor representem esses valores sob a ótica dos eleitores, simplesmente não se deve votar. Ponto final! Porque qualquer outra alternativa que não represente a vontade genuína de cada eleitor é desvirtuamento do processo político e eleitoral. Portanto, o eleitor que, na inexistência de partido e candidato que representem o seu interesse cívico, decide votar na coligação ou candidato que julga ser o menos pior, está denegrindo sua participação política, depreciando o processo eleitoral e elegendo os piores governantes para o país, como historicamente vem ocorrendo no Brasil. 

 

Ademais, a natureza democrática do voto é constituir-se num direito absoluto dos cidadãos. E a condição “sine qua non” de todo direito é ser facultativo, significando que o exercício do voto deve estar submetido à mercê do livre arbítrio dos indivíduos. Desta forma, a obrigatoriedade do voto no Brasil, por ser democraticamente incoerente, não configura em si mesmo a legitimidade de um direito constitucional. Aí está uma das hipocrisias da política brasileira. Porque nada justifica a obrigatoriedade do voto num país verdadeiramente democrático e que almeja ladear no pódium das grandes potências mundiais. E é nessa prática deletéria que está a genealogia das graves distorções do nosso modelo político-eleitoral, a se perpetuarem na retroalimentação da “escravidão” do eleitorado brasileiro aos interesses espúrios da classe política dominante, demandando a degenerescência a que chegamos.

 

Assim, cabe à sociedade extinguir a obrigatoriedade do voto no país, transformando-o verdadeiramente num direito dos cidadãos, que é o voto facultativo. Nesse sentido, um importante instrumento de aprimoramento democrático é a valorização do voto por parte do eleitorado, abstendo-se de votar, seja quando inexistir candidato ou partido que representem seus anseios, seja em contraposição à obrigatoriedade do voto. Não por acaso, verifica-se nas últimas eleições embrionariamente a espontaneidade dessa atitude, a exemplo dos resultados do recente pleito municipal deste ano, cujos significativos percentuais de votos não válidos superam muitas vezes o somatório dos votos dos principais candidatos, em várias cidades do país.

 

Urge no Brasil a tão alardeada reforma política que, todavia, será efetivamente inócua caso não institua no país o voto facultativo. Por outro lado, lamentavelmente ainda não se verifica na atual conjuntura a devida mobilização nacional nesse sentido, significando que o cenário prospectivo demandará um maior recrudescimento da crise política eleitoral. Nesse contexto, resta-nos, ao menos, reconhecer e reverenciar que a genialidade do “Rei Pelé” não se evidencia apenas no mundo do futebol.


 

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