Teste de autoengano

Artigo de André Soares - 03/03/2018

 

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As ciências que estudam os fenômenos da “psiché”, como a psicologia e a psicanálise, tem denominações variadas, como “mecanismos de defesa do ego”, “mecanismos de culpas e desculpas”, e “racionalização”, dentre outros, para designar o tradicional comportamento humano de fuga da realidade, ignorando toda verdade desagradável e dolorosa, especialmente quando ela retrata os erros e defeitos do próprio indivíduo. Nesse contexto, quem melhor denominou este fenômeno foi o espetacular Eduardo Gianetti da Fonseca, em sua obra primorosa intitulada “Autoengano”, explicando com singular maestria a elevada capacidade do ser humano em enganar, não apenas as pessoas, mas também e principalmente de enganar-se a si próprio. E, embora seja inexorável e muitas vezes necessário, o autoengano por outro lado é também o principal aspecto psicossocial responsável pelo fracasso e insucesso na vida. Portanto, estamos falando da esmagadora maioria das pessoas desse mundo, cujo retumbante infortúnio existencial é devido exclusivamente a si mesmas. 

O conhecido ditado “o pior cego é aquele que não quer ver” se aplica muito bem nesses casos. Porquanto significa a covardia em aceitar a verdade conhecida. Analisemos, por exemplo, duas das questões que mais afligem e geram sofrimento à humanidade: amor e felicidade. Onde está o autoengano nesses casos? Resposta: Em acreditar que se sabe o que eles de são de fato. Porque todas as pessoas acreditam que sabem o que ambos significam, mas na verdade absolutamente nada sabem sobre amor e felicidade. É isso mesmo! A humanidade simplesmente não sabe o que é amor e felicidade (dentre outras coisas). 

E o que é mais dramático em tudo isso é que as pessoas, em toda a história da raça humana, consideram que sabem o que é vivenciar a plenitude do amor e da felicidade (dentre outras coisas),... e até morrem em nome do amor e da felicidade....quando, na verdade, nunca souberam o que verdadeiramente eles são e significam. Tudo isso é mais que estupidez coletiva. É o holocausto do desperdício suicida das vidas humanas. 

Consequentemente, as pessoas se enraivecem e se tornam hostis contra quem afirma essa verdade inconveniente sobre elas mesmas. Principalmente porque comprovar a verdade que as pessoas não sabem o que é o amor e a felicidade (dentre outras coisas) é extremamente fácil. Quer ver? 

Faço apenas uma ressalva: Como se trata de revelar um sensibilíssimo autoengano das pessoas para elas mesmas, a consequente e imediata reação emocional será a agressividade. Significa que fazer essa comprovação é realmente perigoso. Portanto, está feito o alerta. 

Vamos, então, ao facílimo porém perigoso teste do autoengano.

Basta perguntar às pessoas o seguinte (dentre outras coisas):

  • O que é o amor?
  • O que é a felicidade?

Mas, com uma imposição: não é para as pessoas responderem suas respectivas opiniões, o que pensam, ou acham sobre o que supostamente imaginam o que venha a ser o amor e a felicidade (dentre outras coisas). É para que elas respondam qual é a verdade (verdadeira) sobre o objeto da pergunta. 

Nesse momento, é importante não perder o controle da situação. Porque, evidentemente, as discussões serão intermináveis e infrutíferas. Afinal, a humanidade vem tentando descobrir o que é o amor e a felicidade (dentre outras coisas) desde que o mundo é mundo. 

Consequentemente, as discussões cairão no baixo nível de sempre, afirmando-se que a verdade é relativa, que cada um tem a sua verdade, que a verdade é múltipla ... blá-blá-blá.... e até mesmo afirmando-se que a verdade não existe.

Toda essa pseudo argumentação, na verdade, nada mais é que autoengano para fugir da verdade. 

Portanto, nesse momento, é importante fazer uma consideração lógica, porém muito perigosa (aliás, quando se trata de autoengano, tudo é perigoso): que a verdade verdadeira existe. 

E para não se perder tempo com justificativas e abstrações inócuas, nada melhor que a verdade verdadeira para provar a verdade. 

Pergunte, então, a quem se opuser:

Você existe? 

A pessoa obrigatoriamente responderá que sim.

Todavia, apesar de improbabilíssimo, pode ser que a pessoa responda que não existe. 

Tanto faz. 

Aí, para que não paire qualquer dúvida, deve-se reiterar a pergunta, para que a confirmação da resposta seja cabal: 

Você tem certeza que você existe (ou não existe)? 

Se alguma pessoa não confirmar sua resposta anterior, faz-se então a conclusão inexorável:

Já que você não sabe se você existe (ou não existe), significa que isso é verdade.

E se é verdade que você desconhece a verdade sobre si mesmo, então também é verdade que você não sabe a verdade sobre o amor, a felicidade, ou qualquer outra coisa. 

Contudo, a esmagadora maioria das pessoas confirmará sua resposta anterior, seja afirmando que existe, ou não existe.

Tanto faz. 

Nesse momento, faz-se novamente a conclusão inexorável:

Já que você existe (ou não existe), significa que isso é verdade.

E se isso é verdade, então, a verdade existe.

E se a verdade existe, pare de enrolar e responda verdadeiramente (dentre outras coisas):

  • O que é o amor?
  • O que é a felicidade? 

Estamos agora chegando ao momento mais explosivo do teste de autoengano. Porque, como eu disse, a esmagadora maioria da humanidade não conseguirá responder verdadeiramente o que é o amor e a felicidade (dentre outras coisas). 

Então, a derradeira conclusão apoteótica, inexoravelmente insuportável é:

Como alguém que não sabe verdadeiramente o que é o amor, ou o que é a felicidade, ou o que é seja lá o que for, pode reconhecer, sentir, ou vivenciar, o que absolutamente desconhece? 

Como eu disse, o resultado desse teste de autoengano será uma carnificina geral. Porque sempre que se força alguém a se deparar com a própria ignorância, a consequência inescapável é a violência. 

O último e importante alerta é que, evidentemente, somente pouquíssimas pessoas tem competência para aplicar teste de autoengano. Afinal, quem se arriscar a aplicar um teste perigoso como esse, além de ser corajoso, tem obrigatoriamente que conhecer muitíssimo bem o gabarito, não é mesmo?


 

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