Os homicídios no TAF com dolo eventual

Artigo de André Soares - 30/08/2023

 

Cadete Anderson Barbosa da Paixão e Silva   Cadete Renan Mendonça Borges Gama   Cadete Márcio Lapoente da Silveira
   
   

 

Estudante Fellipy Caetano Silva

   
         
 
 
 
Fábio Henrique Silva     Ingrid Balbino de Sousa Coelho Vieira
    A dentista Ingrid Balbino de Sousa Coelho Vieira concorria a uma vaga para Odontologia - Ortodontia - Reprodução/Instagram
 
As mortes, no âmbito do Exército Brasileiro, dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) Márcio Lapoente da Silveira (09/10/1990), por exaustão física; Renan Mendonça Borges Gama (06/10/2011), por rabdomiólise, ambos realizando treinamento físico militar em campanha; Anderson Barbosa da Paixão e Silva (20/05/2013), por parada cardiorrespiratória, realizando prova de corrida de 4000 metros; e do estudante Fellipy Caetano Silva (22/01/2014), realizando a prova de corrida do Teste de Aptidão Física (TAF), para ingresso no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), do Comando Militar do Nordeste (CMNE); todas essas mortes no TAF, ao contrário do que se imagina, não foram fatalidades. Mais recentemente, as mortes de Ingrid Balbino de Sousa Coelho Vieira (22/06/2022), durante o TAF do processo seletivo para Oficial Temporário do Exército, no Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ); de Fábio Henrique Silva (22/06/2022), durante o TAF do concurso da Polícia Civil do Rio de Janeiro, no Centro de Treinamento de Deodoro; e de Arthur Matheus Martins Rosa (04/08/2023), durante o TAF do concurso para soldado da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul; todas essas mortes no TAF, também não foram fatalidades. Caso houvesse investigações criminais confiáveis a esse respeito no país, comprovar-se-ia que toda a miríade de mortes dessa natureza e no TAF, que há décadas são acobertadas criminosamente nas instituições nacionais, também não foram fatalidades. Na verdade, trata-se de homicídios com dolo eventual das autoridades públicas responsáveis pela obrigatoriedade da aplicação da prova de corrida do TAF; que ensejam, dentre outras, a devida responsabilização penal dos entes estatais envolvidos.

A comprovação dos homicídios no TAF com dolo eventual no Brasil inicia-se a partir das seguintes constatações estarrecedoras:

  1. Por que, há décadas, sistematicamente, vem ocorrendo demasiada e incontida quantidade de mortes no TAF no âmbito do Exército Brasileiro, se o TAF é realizado na Força Terrestre, supostamente, sob condições técnicas e médicas exemplares; aplicado a militares muito bem condicionados fisicamente e em perfeitas condições de saúde? Isso porque, nesse contexto supostamente exemplar de realização do TAF no Exército Brasileiro, além de ser absolutamente inaceitável a ocorrência de qualquer óbito, causa ainda estranheza e profunda perplexidade que a Força Terrestre seja reduto da tragédia de tantas vítimas fatais.
  2. Por que todas as inúmeras mortes no TAF, que vem ocorrendo há décadas, em todas as instituições militares e civis do país, sem exceção, são consequência direta, imediata, única e exclusiva da realização da prova de corrida?

As respostas a essas estarrecedoras constatações constituem robusto acervo científico da medicina e da ciência da fisiologia, a demonstrar sobejamente que a “causa mortis” das infindáveis vítimas da corrida do TAF no país demanda da reação fisiológica fulminante que certas atividades físicas aeróbicas intensas podem provocar no organismo humano.

Nesse sentido, ressalta-se que a especificidade da corrida do TAF, a qual é realizada em níveis aeróbicos de intensidade elevadíssimos, é classificada pela ciência da fisiologia como “teste aeróbico de esforço máximo”. Destarte, como a própria denominação sugere, este tipo de corrida conduz o sistema cardiopulmonar, ou cardiorrespiratório, ao seu limite máximo (VO2máx – velocidade de consumo máximo de oxigênio. “Bases fisiológicas da educação física e dos desportos – Edward L. Fox, Donald K. Mathews”).

Em termos científicos de riscos à saúde, significa que “testes aeróbicos de esforço máximo”, a exemplo da corrida do TAF, podem levar o sistema cardiopulmonar ao colapso. Ou seja, podem matar. E, de fato, matam. Não apenas pessoas sedentárias, mas também as muito bem condicionadas fisicamente, a exemplo dos cadetes da AMAN e atletas profissionais; por parada cardiorrespiratória, infarto do miocárdio, rabdomiólise (falência dos órgãos pela destruição da musculatura esquelética, em decorrência de esforço físico extenuante), dentre outras patologias.

Importa frisar ainda que, a despeito da probabilidade de óbito ser menor quanto melhor condicionado for o indivíduo, o fato científico inconteste é que o risco de morte em “testes aeróbicos de esforço máximo” sempre existe indistintamente para todas as pessoas, sem exceção; cuja prova mais cabal e irrefutável está escancarada no número incomensurável de mortes de militares do Exército Brasileiro que realizaram a corrida do TAF, os quais, frise-se, gozavam de perfeitas condições de saúde, sendo possuidores de elevada condição física.

Por agravante e para maior perplexidade nacional, destaca-se que o Exército Brasileiro exarou a Portaria nº 129, de 11/03/2010 (Aprova a diretriz para a implantação do programa de prevenção e controle da rabdomiólise induzida por esforço físico e pelo calor, no âmbito do Exército). Todavia, decorridos mais de uma década da sua vigência, comprova-se que a implementação da referida diretriz foi completamente inócua para evitar a posterior morte dos cadetes da AMAN, acima nominados, bem como dos demais civis e militares que foram vítimas fatais da corrida do TAF na Força Terrestre.

Portanto, a verdade trágica e criminosa que está sendo encoberta no país é que todas as mortes no TAF não foram fatalidades. Foram homicídios, que demandaram do dolo eventual das autoridades institucionais responsáveis que, ao determinarem a obrigatoriedade da corrida do TAF, em “teste aeróbico de esforço máximo”, feriram de morte as “Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre teste ergométrico”; que é o órgão competente regulamentador no país das condições médicas e principalmente de segurança à saúde humana, necessárias para a realização de “testes aeróbicos de esforço máximo”; precisamente em razão dos seus inerentes riscos de morte.

Por conseguinte, as referidas autoridades institucionais deliberadamente assumiram o risco real de levar a óbito os participantes da corrida do TAF, e efetivamente produziram uma legião de mortes de brasileiros e brasileiras, vítimas indefesas desse homicídio coletivo, que vêm sendo patrocinado impunimente pelas instituições nacionais; cujos dirigentes infringiram em dolo eventual os seguintes diplomas legais:

Art 121 - Código Penal: Matar alguém (pena de reclusão, de até 20 anos);

Art. 186 – Código Civil: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Contudo, para maior perplexidade nacional, o dolo eventual nos homicídios do TAF é muitíssimo mais gravoso. Porque as referidas autoridades públicas contrariaram de morte também outras questões técnico-científicas alarmantes.

A primeira é que existem vários outros testes físicos de avaliação aeróbica, que são inclusive mais recomendáveis que a corrida do TAF – e, principalmente, NÃO MATAM. Significa que todas as mortes no TAF no país poderiam e deveriam ter sido evitadas de ofício pelas referidas autoridades públicas, que dolosamente não o fizeram.

A segunda refere-se à explícita impropriedade da corrida do TAF, quanto ao aspecto profissional de emprego operacional, específico das forças armadas, notadamente quanto ao Exército Brasileiro. Porque a corrida do TAF, quanto ao perfil profissiográfico militar, não é tecnicamente o melhor método de avaliação do condicionamento físico operacional combatente. Porque o emprego das forças armadas, especialmente da Força Terrestre, contrariamente, caracteriza-se por exigir dos militares principalmente desempenho operacional em nível aeróbico submáximo para as competências e qualidades físicas necessárias para a atividade em campanha e o emprego em combate. Somente em situações excepcionalíssimas e emprego de tropas especiais requerem, eventualmente, condicionamento físico aeróbico em nível de esforço máximo.

Nesse sentido, por séria agravante à impropriedade da obrigatoriedade da corrida do TAF em “teste aeróbico de esforço máximo” nas forças armadas, vale registrar que a medicina e a ciência da fisiologia possuem protocolos devidamente validados de “testes aeróbicos de esforço submáximo” que podem subsidiar satisfatoriamente e sem riscos à saúde a avaliação do condicionamento físico militar operacional; os quais, diferentemente dos critérios atualmente aplicados, não matam.

Essa problemática assume contornos ainda mais alarmantes na atual conjuntura, pela avassaladora epidemia mundial de obesidade que há muito contamina as organizações militares do país. Porque todas as instituições militares operacionais caracterizam-se e devem primar fundamentalmente pela excelência do condicionamento físico de seus integrantes, nos mais elevados níveis de desempenho, nas quais o Treinamento Físico Militar (TFM) e o TAF devem ser prioridade absoluta para a consecução desse mister. Contudo, ambos devem ser realizados regidos rigorosamente pela cientificidade e primordialmente para a manutenção preventiva da saúde das pessoas. Nunca em seu prejuízo, a exemplo dos inaceitáveis homicídios no TAF no Brasil, impunemente perpetrados com dolo eventual dos respectivos dirigentes institucionais.

Por derradeiro, urge ao Poder Executivo Federal, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, Procuradoria-Geral da República e Ministério Público salvaguardarem a sociedade brasileira desse flagrante homicídio coletivo em curso no país, com a urgente proibição da realização institucional da corrida do TAF, como “teste aeróbico de esforço máximo”, em desacordo com as “Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre teste ergométrico”; bem como honrar a memória dos brasileiros e brasileiras que pereceram indefesos, como vítimas fatais dos homicídios no TAF, por meio de rigorosa e exemplar responsabilização criminal das autoridades institucionais responsáveis.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

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